JOÃOZINHO e MARIAZINHA |
Na periferia de uma grande cidade, com sua mulher e duas crianças morava um pai, trabalhador e diligente; pobre, porém honesto. O menino chamava-se Joãozinho; a menina, mais nova, chamava-se Mariazinha.
O pai, desempregado, tinha pouco o que comer e prover à sua prole. Ocorreu, porém de haver uma recessão naquele país, acarretando desemprego e fome naquela cidade, motivo pelo qual o pobre homem não mais conseguia prover aos seus filhos o pão de cada dia. E, desconsolado, se lamentava e chorava dia e noite. Certa vez, à noite, na cama, retorcia-se quase no desespero, suspirava e se lamentava.
Então disse à sua mulher, madrasta de seus filhos:
- Que será de nós e de nossos filhos? Como iremos alimentá-los agora? Emprego não tenho... de mendigar, tenho vergonha...
- Sei lá... - respondeu a mulher - A gente bem que poderia levantar amanhã bem cedinho, ir ao centro da cidade e, naquele mundaréu de gente... deixá-los lá em uma esquina por alguns minutinhos... Então a gente os deixa lá e sai procurar emprego.... E os deixamos sozinhos.... E eles nunca mais acharão o caminho de volta pra casa... Resolvido o problema !.
- Não, mulher - continuou o pobre pai - isso eu não faço. Me partiria o coração abandonar meus filhos no meio da cidade grande... Poderia um estuprador, ou bandido, ou mesmo um traficante adotá-los e corrompê-los... Não, isso eu não faço nunca!
- Seu burro - falou a madrasta - então morreremos os quatro de fome e não conseguiremos nem madeira pro caixão!!!
E a mulher tanto perturbou e atazanou o pobre homem que este finalmente consentiu em deixar as crianças.
- Me causa pena e me dói o coração ao ver o estado de meus filhos, - disse o pai. E de tão esfomeadas que estavam as crianças, não conseguiam nem dormir e tinham até conseguido ouvir o diálogo entre o pai e a madrasta. Mariazinha, chorando copiosamente, disse a seu irmãozinho:
- Que será de nós, Joãozinho ?
- Calma, irmãzinha, não se desespere, eu tenho uma idéia, eu vou dar um jeito.
Assim, quando os velhos adormeceram, Joãozinho levantou-se da cama, vestiu seu casaco e saiu pela porta dos fundos. Lá fora a lua cheia brilhava enormemente, cor de prata, iluminando os seixos (seixos são pedrinhas brancas que são encontradas nos leitos dos rios) que havia nos fundos da casa. Joãozinho abaixou-se, juntou e colocou nos bolsos do casaco tantas pedrinhas quantas foram possíveis caber. Então retornou e disse à sua irmã:
- Fique tranqüila, irmãzinha, durma em paz, pois nosso Deus não nos abandonará.
E adormeceram.
Quando amanheceu, antes mesmo de o sol aparecer no horizonte, apareceu a madrasta e chacoalhou ambas as crianças:
- De pé ! Rápido ! Seus preguiçosos ! Nós iremos à cidade ver se conseguimos alguma coisa...
Então deu-lhes a ambos um pedaço de pão e alertou-os de que não poderiam comê-lo antes do meio-dia. Mariazinha colocou os pedaços de pão no bolso do avental, pois os bolsos de Joãozinho estavam cheios de seixos (pequenas pedrinhas, brancas, arredondadas, também conhecidas como piçarras, retiradas de leitos de rios).
Assim, ambos os quatro, à pé, se puseram à caminho da cidade, pois nem dinheiro para o ônibus tinham. Apenas haviam andado alguns quarteirões quando Joãozinho continuamente detinha-se e voltava o olhar em direção ao lar. Fazendo isso sempre e sempre.
E o pai ralhou:
- Vamos menino, o que é que você tanto olha ? Páre de parar e olhar para trás ! Pernas pra que te quero ! A distância é longa...
- Ah, papai, eu estou olhando o meu cachorrinho que está latindo e querendo me dar tchauzinho.
- Seu cabeçudo ! - respondeu a mulher - cachorrinho não dá tchauzinho não!
Mas o que Joãozinho realmente fazia era jogar uma pedrinha branca pelo caminho para marcar o caminho de volta.
Ao chegarem ao centro da grande cidade, deixando-os em uma esquina, o pai falou-lhes:
- Comportem-se e esperem-nos aqui, pois eu irei ver se consigo emprego e comida mais adiante. Volto já.
- Fiquem aqui e consigam algo, peçam esmolas - disse-lhes a madrasta. Nós iremos dar um giro por aí e logo viremos buscá-los!
As crianças, tremendo, antes de medo que de frio, acocoraram-se a um canto e esperaram. Chegando o horário do almoço comeram cada um o pedaço de pão.
E com tanto barulho de carros, conversas de gente e movimentação, imaginavam que o pai estaria nas proximidades.
Anoitecia e, de tanto esperarem, de cansaço, adormeceram sob uma marquise. Quando finalmente acordaram, altas horas da noite, Mariazinha começou a chorar e disse:
- Como iremos sair desse apuro ? Como iremos voltar pra casa?
E Joãozinho a consolou dizendo: - Espere um pouco até a lua cheia aparecer, então iremos encontrar o caminho de volta.
O pai, porém, alegrou-se ao vê-los retornar, pois angustiava-lhe o coração o fato de tê-los abandonado à própria sorte.
Não muito tempo depois novamente abateu-se sobre aquele país a fome e o desemprego e as crianças ouviram quando certa noite a madrasta falou ao pai:
- Acabou tudo! Já não temos mais comida ! Temos que dar um jeito nas crianças ! Temos que deixá-las na cidade até que elas não mais achem o caminho de volta à casa. Não temos outra solução !
Quanto ao pai, só Deus sabe o quanto doeu-lhe o coração ante tal perspectiva !
- Vamos levando... - disse o pai. Mas a mulher, irredutível não o deixava em paz, até que o pobre homem, pela segunda vez, sem forças, consentiu.
As crianças ouviram tudo e, quando os adultos adormeceram, Joãozinho levantou-se a buscar pedrinhas como da última vez, mas a madrasta havia trancado todas as portas, motivo pelo qual Joãozinho não pôde pegar pedrinhas. Mas, consolou sua irmã, dizendo:
- Não se perturbe, Mariazinha, Deus do céu não nos abandonará!
Na manhã seguinte, bem cedinho, a madrasta derrubou as crianças da cama. Cada um recebeu um pedaço de pão, porém menor que da vez anterior. A caminho da cidade Joãozinho despedaçava o pão no bolso, parava de vez em quando e atirava um pedacinho pelo caminho para marcar o caminho de volta.
- Joãozinho, por que você está parando e olhando pra trás ?, - perguntou o pai.
- Eu estou olhando o meu canarinho que ficou lá em casa, no telhado, ele está abanando as asas como a me dizer adeus ! - respondeu Joãozinho.
- Seu tonto! - respondeu a madrasta - não é o seu passarinho não, é a Estrela D´alva ! que brilha sobre a chaminé da casa (Estrela D´alva é o planeta Vênus, parece uma estrela muito brilhante. É a primeira que aparece no céu logo no entardecer). Joãozinho, porém, continuava o caminho e ia atirando pedaços de pão pelo caminho. E a mulher levou e deixou as crianças no centro da cidade, num lugar onde elas nunca tinham estado antes, e falou-lhes: - Crianças, fiquem aqui sentadas e se vocês ficarem com sono podem dormir um pouquinho ali debaixo daquela marquise. Eu e seu pai vamos ali procurar emprego e já voltamos para buscá-los, OK ?
Chegada a hora do almoço Maria repartiu o pão com seu irmão, pois o dele este havia repartido e atirado pelo caminho para marcar o caminho de volta. Adormeceram um pouquinho e logo entardeceu e a noite chegou, escura e perigosa, porém ninguém veio buscar as pobres crianças. Eles se levantaram tarde da noite, com Mariazinha choramingando. E Joãozinho lhe disse: - Calma, irmãzinha, espere a lua cheia aparecer, então veremos, espalhados pelo caminho, os pedacinhos de pão que atirei, e logo, seguindo-os, chegaremos em casa Apareceu a lua e ambos puseram-se a caminho, porém não encontraram vestígio algum de miolos de pão, pois as pombinhas que havia pela cidade os haviam comido, e nada restara. E assim não mais encontraram o caminho de volta ao lar. Andaram que andaram a noite toda, mais um dia inteiro, passaram fome, tomaram chuva, e não conseguiram encontrar o caminho de volta. Comeram somente algumas frutas que encontraram jogadas ali no CEASA.
E, como estavam muito cansados de tanto caminhar, deitaram-se e dormiram sob uma marquise que havia ali por perto. E já havia três dias que não conseguiam retornar à casa. Andaram que andaram e nada da casa e cada vez mais se perdiam pela cidade grande. E como não recebiam ajuda alguma começarama ficar desiludidos.
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Certo dia, por volta do meio-dia avistaram, sobre uma árvore, numa praça daquela cidade, um pássaro branco, bem bonito, que cantava de forma tão melodiosa. E pararam para ouvi-lo. Depois de muito cantar o pássaro voou, e as crianças puseram-se a segui-lo até que ele parou sobre o telhado de uma casinha na periferia daquela cidade. As crianças aproximaram-se daquela casinha e notaram que as paredes da mesma eram feitas de pão-de-ló, muito gostoso; e o telhado, esse era de massa de bolo. As janelas, então.... hhhmmm nem se fala ! As janelas eram feitas de suspiro e chantili. - Vamos provar.... - falou Joãozinho, com a boca cheia d´água. - Eu quero um pedaço do telhado muito gostoso! - disse Mariazinha. Joãozinho então subiu ao telhado e trouxe um pedaço de bolo para sua irmã. Ela provou e viu que era muito gostoso. Nisso ouviu-se uma voz que vinha lá de dentro da casinha: - Raios ! Pelos de macaco ! Quem está comendo o meu barraco ?
Joãozinho, que gostara do telhado, tirou dali um grande pedaço e sentou-se a comer - Telhado com gosto de bolo de morango. Hhhmmmm !
Nisso a portinha da casa se abriu e apareceu uma velhinha, voando em uma vassoura. Joãozinho e Maria se assustaram que deixaram até cair no chão os pedaços de bolo.
A velhinha, porém, balançou a cabeça e disse:
- Não tenham medo, queridos, quem os trouxe até aqui ? Entrem, não tenham medo, se quiserem podem ficar morando aqui comigo e nada de mal lhes acontecerá.
Tomou ambas as crianças pelas mãos e introduziu-as na casinha, deu-lhes boa comida, guloseimas, coca-cola, frutas e muitos docinhos. Havia ainda ali duas caminhas bem preparadas, branquinhas, com edredoms e travesseiros bem fofinhos. Joãozinho e Mariazinha deitaram-se e adormeceram, pensando: - Puxa, que maravilha, estamos no paraíso !!!!
A velhinha, porém, estava apenas se disfarçando de boazinha, pois ela era uma bruxa malvada, não era gente não, era um monstro com cara de gente, muito brava e que atraía as criancinhas com doces e guloseimas.
E quando as criancinhas estavam sob o seu poder ela as maltratava e judiava, empregando-as em trabalhos árduos. Dizia que ia dar dinheiro e doces e tudo o mais que quisessem, porém revelava-se uma patroa muito cruel.
As bruxas são assim: quase não enxergam, têm olhos bem vermelhos, têm um faro apurado e cheiram muito bem, melhor do que os cães e sabem quando crianças incautas se aproximam.
Assim, quando Joãozinho e Mariazinha se aproximaram ela os percebeu e disse consigo mesma: “hhmmm.. que bom agora esses não me escapam!”
No dia seguinte, bem cedinho, antes que as crianças acordassem, a bruxa olhou-os dormindo e disse consigo mesma: “hhhmmm... são deliciosas essas criancinhas !!!”
Então acordou o Joãozinho e pegando-o pela gola, colocou-o em uma gaiola. Joãozinho gritou e esperneou, mas ninguém o ouvia. De nada adiantou.
Aproximou-se da caminha de Mariazinha e berrou:
- Levante-se sua preguiçosa, vá buscar água e comida pro seu irmão que está lá pendurado em uma gaiola. Eu quero que ele fique bem gordinho e apetitoso.
Mariazinha começou a chorar copiosamente, em vão, pois ninguém a ouvia . Estavam em um cativeiro a muitos quilômetros de qualquer residência. E ela teve que fazer o que a bruxa exigia.
E Joãozinho, para ficar gordinho e apetitoso, comia o que havia de melhor, e Mariazinha, empregada só comia as migalhas e o que sobrava. Somente os restos e as cascas.
E a bruxa, a cada manhã ia até a gaiola onde estava Joãozinho e dizia:
- Joãozinho mostre-me o dedinho pra ver se está bem gordinho ! - pois, como dissemos, ela não enxergava muito bem. Mas, Joãozinho, esperto e inteligente, mostrava sempre à bruxa um osso de galinha, fininho. E a bruxa pensava: “ainda não está bem gordinho não!”
E como já se passara um mês e nada do Joãozinho engordar, a velhinha começou a ficar impaciente e disse que não ia esperar mais. Depois brigou com Maria:
- Vamos, ande sua tonta, traga água quente e coloque no caldeirão, ferva bem e deixe no fogão, pois de amanhã seu irmão não passa não ! Ele vai pro meu buxão !
Ah ! como a Mariazinha chorou,. Chorou mais do que nunca ante a possibilidade de perder o irmãozinho !
--- Nosso Deus, nos ajude! - pedia ela enquanto trazia água de um córrego ali próximo. E o pranto escorria pela sua face e caía no caldeirão. - Pare de reclamar e chorar, sua tonta. Rápido ! Não adianta chorar que a polícia não vem ajudar !
Na manhã seguinte, Mariazinha teve que acender o fogo e colocar o caldeirão pra ferver. - Primeiro temos que assar o pão - disse a patroa ruim. - Eu já preparei o forno e a massa do pão – e enviou Mariazinha para ver se o forno já estava no ponto.
- Entre e veja - disse a bruxa - Entre e veja se está bem quente... para que possamos colocar o pão lá dentro... A bruxa disse isso porque queria assar também Mariazinha, mas esta, esperta e madura percebeu a tramóia da bruxa e disse-lhe :
- Eu não sei como se faz isso, a senhora podia me ensinar ?
- Sua bobinha - respondeu a bruxa - é muito fácil, a abertura é bem grande, veja só como se faz! Dito isso, aproximou-se do forno, colocou a cabeça na porta e disse: - viu só?
Nisso Mariazinha deu-lhe um empurrão no popozão e ela caiu dentro do forno. Maria fechou a porta e a bruxa malvada começou a berrar e a urrar lá dentro da fornalha para nunca mais sair.
Mariazinha então dirigiu-se até a gaiola onde estava trancafiado o seu irmão Joãozinho, abriu a portinhola e libertou-o, dizendo:
- Joãozinho, estamos livres, a bruxa malvada morreu. . .
E Joãozinho pulou da gaiola feito um passarinho logo que a porta se abriu, abraçaram-se e beijaram-se de alegria. E como não tinham mais o que temer, pois a bruxa morrera e o perigo passara, começaram a juntar todas as jóias e pérolas e diamantes e ouro que havia na casinha. E olha que havia jóias por todos os cantos da casa!
- São melhores e mais valiosas do que pedrinhas - disse Joãozinho, colocando tudo quanto podia no bolsos do casaco.
- Eu também quero levar um pouco pra casa - disse Mariazinha, enchendo seu avental de jóias.
- Vamos ! - disse Joãozinho.
Saíram correndo e quando já haviam percorrido um bom trecho chegaram a uma lagoa grande e bonita.
- Não conseguiremos atravessá-la - disse Joãozinho a Mariazinha.
- E eu não vejo nenhuma pinguela e nenhuma ponte - disse Mariazinha. - Também não há nenhuma canoa para nos levar até o outro lado... Mas, veja lá, há um pato branco, gigante e bonito que vem nadando em nossa direção !.
Então Mariazinha disse:
- Patinho bonitinho, o mais bonito do mundo,
será que você poderia nos ajudar a atravessar esse lago profundo ?
E o patinho aproximou-se das crianças. Joãozinho pulou às costas dele e disse a Mariazinha para subir também, mas esta, madura, respondeu:
- Não, Joãozinho, um de cada vez. Primeiro você, depois eu. Senão fica muito peso pro coitadinho!
E assim foi. Cada um atravessou o lagoa, um de cada vez nas costas do patinho. Logo que chegaram à outra margem do lago. Após caminharem um bom tanto foram notando que estavam perto de casa, cada vez mais a paisagem lhes era familiar, até que finalmente alcançaram a casa do pai.
Então começaram a correr de tanta alegria e chegando-se abraçaram o pai e se penduraram no pescoço dele, de tanta felicidade. O pai não conseguia dormir e não tinha tido nenhum momento de alegria desde que os filhos desapareceram na cidade. Quanto à madrasta, esta havia morrido. Joãozinho e Mariazinha colocaram sobre a mesa, à disposição do pai, as riquezas que haviam adquirido.
Com as riquezas e conhecimentos adquiridos por ambos acabou-se o sofrimento da família e assim viveram felizes para sempre.
FIM